Eu tenho que respeitar meus limites; mundo, às mulheres.
“Atención tripulación, preparar para el despegue”.
Olhar pela janela do avião nunca foi minha cena preferida, mas de uns tempos para cá parece que me anda invadindo um sentimento de “dever cumprido” quando subo cortando os céus; não que antes fosse diferente, que algo ficasse pendente, mas é como que mais diretamente agora tem que valer a pena ficar fora de casa; e olha que ficar fora de casa durante a safra de laranja, ah, disso a gente entende!
Há dez dias voltei da terra do Lord Ganesha, hoje a bordo desde a terra do Tio San e a prova dos 16km é no final do mês… Não, eu não me esqueci dela. Meus joelhos também não.
Após voar 21h (não contabilizadas as horas em terra para trânsito), cheguei a Índia no final da época das chuvas de monções, com temperaturas “flat” de 35°C ao longo do dia (amplitude térmica é luxo, assim como turista escovar os dentes com água da torneira ou comer uma salada fresca) e, como passei a falar a respeito dessa segunda viagem ao mundo do curry, a Índia já não me choca mais, ainda que me afete: ir a Índia e não se deixar envolver beira a insensibilidade; o choque é passageiro.
Restringi minha estadia entre Nova Dehli e Mumbai a uma semana e por isso desembarquei ao redor das 23h de domingo, dormi, fui a academia, fiz 3 reuniões, participei de um coquetel e dormi de novo no final da segunda-feira.
Alguns funcionam à base do amor, outros da dor; talvez eu seja um mix ou precisei ouvir que não iria completar correndo a prova no final do mês para eu me mexer, literalmente… O que incluiria eu mesma montar uma planilha de treino baseada nos treinos da Paty B (ainda que ela esteja correndo MUITO mais quilômetros que eu – crianças, não façam isso em casa, busquem seus professores), já que senti resistência (prudência?) do meu professor em fazê-lo; começar pela décima quinta vez, somente desde a primeira semana de dois meses atrás, a fazer dieta e finalmente voltar a incluir uma rotina de treinos no meu dia a dia, está aí o motivo de eu levar tênis e roupa de ginástica para minhas 168h em solo indiano.
Depois do voo, o dia cheio, e as manchetes bombásticas que nos chegam sobre a (in)segurança para as mulheres naquele país, a academia do hotel era minha opção viável.
Tabela da Paty B em mãos, roupa vestida, eu tinha 13km para fazer na esteira com 75% de umidade controlados por ar-condicionado bombando aqui dentro – para mim, academia de hotel tem um efeito psicológico negativo, pior talvez que se eu corresse lá fora.
Cheguei aos 8km e me puni, de novo psicologicamente, por ter feito a metade do que gritava minha planilha a tempo de, se cumpri-la, chegar aos 15km na semana da prova dos 16km.
Além do fator “academia de hotel”, a falta dos treinos na semana anterior também me afetou, acho que mais coisa de cabeça que físico mesmo, após eu ter que ficar sem correr devido a um ponto inflamado de uma biópsia no pé direito, que estrategicamente parece que foi desenhado na bordo do cano do tênis – “vamos de antibiótico de 5 dias… Melhor 7 dias, já que você vai à Índia”, disse a médica.
Viajei tranquila, mas ainda não sei se o ponto fechou pelo antibiótico, pelo corticoide, pelo 1/3 do frasco de iodo ou ainda por ter ficado abafado 24h/ dia durante aquela semana, já que se por um lado beber água da torneira evitava a ingestão de bactérias, um ponto aberto ao ar livre seria um reino inteiro para elas!
Ano passado conversei com a cônsul Brasileira que servia em Mumbai e perguntei se após 3 anos vivendo lá ela ainda escovava os dentes com água mineral ou tomava banho de boca fechada (vocês passarão a dar valor a isso a partir de agora, se não antes) e ela me explicou que não, na verdade, o tempo médio da viagem a turismo é de duas semanas, sendo que nossa flora intestinal precisa de um pouco mais para se acostumar com algumas bactérias “extras” por isso muitos turistas passam mal e por isso tomamos esses cuidados extras.
Ufa! Sim, na primeira vez eu me julguei por escovar os dentes com água mineral em um mundo que tem sede de água potável.
Antes de embarcar de volta eu encarei mais 2x a academia (que disciplina!), sendo uma para um treino intervalado de 8x de 800m, com 45s de descanso, o que foi melhor do que a chatice que eu tinha armazenada na memória a que esse tipo de treino me remetia e mais uma antes de encarar as outras 20h de voo de volta para casa.
Confesso que enrolei para essa ultima: descansei após terminar o último dia de feira, dei uma deitadinha, arrumei a mala e a consciência falou mais alto quando peguei o tênis para colocar na mala: fui, ainda que parecido com um samba doido: 20min correndo na esteira, 20 min no transport e outros 20 min na bike – na bike eu me distraio colocando os áudios e e-mails em dia, confesso.
Jet leg passado o fuso horário de 8:30 Nova Delhi / Brasília, sim, você leu certo, oito horas E 30 MINUTOS de fuso, após chegar domingo ao redor das 19h em casa e me esbaldar no arroz, feijão e bife da mamãe, segunda-feira começou para mim ao redor das 10h quando me dei o direito de acordar e… Fui correr.
Eu não costumo fazer charme e pedir comidas especiais na minha volta, mas ficar sem poder comer carne uma semana em um país vegetariano parece que ativa minhas papilas carnívoras, por isso não resisti ao bife na “janta” do domingo.
Segunda-feira seria dia normal de volta à rotina, mas eu vinha de uma semana sem treinar + uma semana de treinos não cumpridos com exatidão + prazo mais curto para provar #amor #dor então eu encarei 11km antes de ir pra #firma.
Foi bem. Fiquei sem salto para ajudar ou pelo menos não atrapalhar o joelho.
Sexta já era hora de fazer mala nova e seguir para mais uma semana de congresso, agora na terra do Tio San.
Fiz de tudo um pouco até ir ao aeroporto inclusive… Correr 13km.
E sabe aquele medo laaaaaa trás do treinador que me fez não exagerar? Esqueci. Errei.
Senti dor. Fiquei quase que uma semana com dor (e agora a bordo daqui de cima do avião e um mix de tomara que seja a posição x será que eu deveria x mas eu estava bem x porque exagerei).
Todo mundo que corre vai me entender (como diria o pai de uma amiga: “se tem que explicar é porque está errado”): sexta-feira eu estava bem, era a noite, eu sai correr uns 10km antes de voar (de avião e não de velocidade), batia um vento gostoso no meu rosto, e tudo isso me animou, aí os 10 viraram 13… Dia seguinte doeu, uma semana depois eu estou com medo.
No meio da semana eu corri 5km, vista linda, mar à vista, à vista do congresso, congresso pé na areia… Mar calmo nunca fez bom marinheiro, ainda mais correndo na beira da praia em época de furacão na Flórida, por isso que não deixei os 5km escaparem pelo menos para tentar queimar um pouquinho de tuuuuudo que se come aqui na terra das porções gigante e embalagens que você para e pensa “tudo isso, jura?”.
Sexta-feira passada era dia de mais uma vez fechar mala e voltar, então porque não mais uma corridinha?
Justamente naquele dia parece que amanheceu mais tarde, o que me obrigou a ir a esteira e, com medo ainda, confesso, preferi um intervalado dos mesmos 800m com 45s de caminhada: esteira em milhas me fez recorrer a tabela de conversão online rs e enquanto o dia clareava preguiçosamente eu suava um pouquinho mais.
Último dia de congresso significa dia mais curto então eu consegui logo escapar do salto: so far so good… Joelho não reclamou.
A última bomba para tomar mais uma bronca: passei a semana a base do gel salompas!
E para terminar, estamos descendo para pousar em Guarulhos e aí eu deixo uma mensagem para reflexão: “O comandante acendeu o aviso de apertar os cintos…” – obrigada Comandante Carolina porque nos trazer de volta.
Beijos
Flávia B