Essa prova começou há seis anos, desde quando quis fazê-la pela primeira vez, mas o intervalo de ora duas semanas, ora três entre ela e os congressos de outubro “na redondeza” não conciliavam agenda entre correr, ficar “de boa” e atender ao congresso.
Não que fosse um problema ficar pelo Velho Mundo duas, três semanas, faltava mesmo orçamento e a possibilidade de ficar fora da #firma “à toa”, até que esse ano chegou!
Porque a prova é domingo e o congresso começa terça! Uia! Obrigada malha férrea europeia!
Essa prova começou quando lá na sua varanda eu disse… “me inscrevi, me ajuda a treinar?” e eu vi o SIM dentro dos seus olhos” (e a constatação – óbvia, ainda que eu precisei ouvir – que se eu não treinasse, não a concluiria correndo todo o trajeto…
Essa prova começou quando eu enviei um áudio a Paty B dizendo “me inscrevi, e agora?”; não demorou 3s para ela me responder “bora!”;
Essa prova começou quando fui correr meio dia em circuito de círculos em pleno sábado de muito sol e também às vezes antes das 6h da manhã, às vezes em academia de hotel, na praia à beira do hotel do congresso, a noite antes de ir ao aeroporto em alguma sexta-feira qualquer.
Essa prova começou quando o cliente, surpreso, falou “você já correu 5km hoje cedo?” E mal sabia ele que, na verdade, a planilha dizia 10km…
Essa prova começou quando, nas minhas chegadas suadas (literalmente), meu pai me perguntou “quantos kms hoje? E o joelho?” e também me disse “vai lá, usa a minha reposição da aula do funcional no meu lugar”… E a minha mãe, cuidadosa, insistia “e o joelho, filha?”…
Essa prova começou quando eu disse para os meus professores “é só dia 29/9, dá tempo né?” “Desse ano, Flavinha?”, me respondeu um deles, rindo de propósito.
Essa prova começou quando eu disse a eles semana passada “caramba, o joelho “ruim” não dói mais, agora o “bom” está me incomodando um pouco há uma semana”….
Essa prova começou quando eu fui alongar e disse ao professor, depois de estar com a coluna “no lugar”, que eu correria 14km terça-feira antes da prova: fui proibida.
Foram 10km naquela terça e sexta antes da prova, 3-4km “bem soltos, só pra você lembrar que dará conta… Prova é vestibular, o que estudou até agora, estudou” (e daí me deu o mesmo frio na barriga das provas de desenho geométrico do colégio), enfim, treino é treino, prova é prova…
Essa prova começou quando o Custela me disse “vamos melhorar esse pace, né”, ignorando que era um terreno de subida, numa sexta-feira à noite, depois de uma semana cão… E na semana seguinte, quando eu mandei nova foto do Garmim, completou: “tá vendo como um desafio vai bem”.
Essa prova começou quando há uma semana eu contei para o pessoal da fábrica e eles se surpreenderam e foram curtindo comigo quase dia a dia até eu embarcar hoje para a “maratona” Paris-Versailles.
“Flavia, o Cláudio me disse que você irá correr uma maratona domingo e eu estou muito preocupado, menina”, ouvi do Edson, nosso fornecedor, que é amigo também e me trata como filha!
E o Sr Cláudio é também fornecedor, mais discreto com a preocupação de pai, mas, palavras dele, “diga a ela que estarei junto em espírito domingo”. Gostaria de tê-los abraçados pessoalmente, foram respeitosamente fofos.
“Preparada para a maratona, Flavia?”, me perguntava pelas manhãs da última semana o Paulo, também da fábrica. E a minha resposta era sempre a mesma: SIM. Firme.
Meus caros, a resposta é só uma: agradeço a confiança, mas tudo que eu como hoje, não me permite encarar uma maratona, para não falar dos joelhos…
Como diz o sogro da minha irmã, que é reumatologista, corredor e tem lá seus 60 up…”faça igual a nós, jovens, Flávia, e toma colágeno!”. Está na mala, Ney…
Então, vamos de 16km e, joelhos não sei como chegarão, mas espero mãos livres na chegada para uma taça generosa de Champagne para comemorar (e promover o consumo de produtos locais, claro! Só por isso!); atualizando o texto no pós prova, expectativa x realidade, eu só queria mesmo um banho quente…
Essa prova começou quando eu me peguei com a mala aberta e pensando quais dos dois tênis eu levaria… E com a semana da moda rolando na cidade Luz eu embarco usando tênis de corrida!
Assim, essa prova começou quando eu troquei o “fazer estilo” a bordo pelo cuidado com os meus joelhos.
Essa prova começou quando eu voltei a treinar usando meias laranjas de compressão, até o joelho, depois de tanto tempo… A última vez foi em 2014 e, pasmem, foram elas que mais recentemente despertaram assunto para paquera, certo, meu bem?!
Essa prova começou quando eu mandei o regime “pastar” essa semana, com uma ansiedade forte aqui dentro, ah vá! Mas também começou quando eu fiquei sem chocolate, arroz e vinho para abaixar a balança…
Essa prova começou quando eu tomei coragem para cortar franja e pensei imediatamente depois, “mas como eu vou prender o cabelo pra correr????”
Essa prova começou quando, às vésperas do congresso, eu tentei puxar um papo com o cliente francês – difícil, dificílimo – dizendo que se ele quisesse marcar uma reunião sexta-feira (antes da prova) eu chegaria em Paris ao redor do meio dia para correr Paris-Versailles no domingo… e ele disse que também faria a prova!!!!! Aí, o papo ficou mais leve… (calma, a reunião também vai sair, semana que vem…): é muito mais que um esporte!!!!
Como eu disse a Paty B mais cedo, contando que o cliente comentou, elegantemente rebatendo meu comentário sobre estar ansiosa para a prova, que essa é a primeira dele após 8 anos, quando fez sua última maratona (m-a-r-a-t-o-n-a)… Entende que é “muito mais que um esporte?”. É!!!! Fiquei na última linha do e-mail dele que dizia “have a nice race, Flavia”
Essa prova começou quando eu, escrevendo agora a bordo, já me vi na largada, na chegada, quebrando no meio, fazendo em perfeitas condições, pensando em tudo isso enquanto estou correndo e também aqui, a caminho…
Essa prova começou quando, na porta do estádio essa semana, antes do show, eu comi um “dogão”, “sem cheddar, sem maionese, sem catupiry, moça”… e Deus proteja meu estômago porque, 12h voando no dia seguinte, é sempre prudente tomar cuidados extras para não dar piriri… E sorri para a aeromoça que retirou minha bandeja do jantar, não sem antes separar minha colher de sobremesa, que viria na sequência, com as próprias mãos apoiadas no côncavo… Índia, talvez eu tenha exigido demais de você…
Essa prova começou quando eu fui buscar o kit na sexta-feira, já com a prova batendo à porta, que na verdade era nada que uma camiseta e um número de peito: nada de sacola, folhetos, “brindes”, nem se quer alfinetes, os quais eu tive que comprar no supermercado, na véspera, da prova porque não lembrei do meu kit costura dentro da mala.
Essa prova começou quando eu fui acompanhando a previsão do tempo e o único dia com chuva era o domingo da prova… 80% de possibilidade de chuva!
Essa prova começou…
Antes disso, 1:15 para começar a correr, 25.000 corredores debaixo de chuva, 15°C, alguns com uma capa improvisada de saco de lixo, os locais de shorts e camiseta, muitos gringos como eu, 25.000 pessoas molhadas, sem reclamar – talvez porque esperar de fronte à torre Eiffel não fosse assim um problema impossível de administrar.
No meio da multidão pedi, em inglês, a um senhor tirar uma foto minha… Batata… Brasileiro também! Mais um que vinha à cidade Luz por motivos profissionais e aproveitara para correr…Ali falamos um pouco até a largada – e o agradeço por me equilibrar no meio da multidão quando tive que arrumar os dois dedais de silicone que escaparam dos dedos dos pés e os coloquei em algum lugar do peito do pé, já que a meia de compressão até os joelhos não facilitava tirá-los naquele momento. Correr sem os dedais? Com os pés molhados?
Essa prova começou quando eu corri Bertioga-Maresias há alguns anos e, meu trecho de 14km era na areia, entre uns “rios” e outros, ou esgoto (tratado ou não) que desembocava na praia, no meio do circuito…
Finalmente o pórtico da largada chegou!
Consegui avistar uns aviões da esquadrilha da fumaça que deveriam saudar a chegada (há tempos) da elite com as cores nacionais azul, vermelho e branco e passada a última contagem de umas 25 pessoas no “curral” que eu estava, já que a cada um minuto alguns eram autorizados… 5, 4, 3,2 … “a Paris-Versailles”: corrida liberada!
Parou de chover, mas eu ainda estava molhada, assim como o chão, que exigia cuidados extras para eu não me “estrumbicar” logo no primeiro quilômetro…
As folhas de outono aqui faziam o cenário mais bonito (e escorregadio) e até o 5km fomos correndo mais ou menos na beira do Senna; o 5km era basicamente preparação para a subida que viria: 2km que nos levariam a metade da altura da torre Eiffel, 173m.
Repito: 2km de subida. Sem alívio. Direto: obrigada Almir Sater por entrar no meu fone justamente ao pé da subida: “ando de devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já sofri demais…”.
Havia uma “feeding station” no início da subida, do total de 4 ao longo da prova: água e? Torrões de açúcar!
Em uma bacia, cada um pegava o seu com a mão… Das mãos de voluntários, ora da Cruz Vermelha, ora crianças, ora atletas ou ex-atletas. Sim, Índia, certamente eu exigi muito de você…
Toda vez que eu vejo a Cruz Vermelha me lembro da minha primeira viagem à Europa, que foi a trabalho para Alemanha para fazer feira, há 15 anos…
Em uma estação de metrô sem escadas rolantes, alguém se aproximou e tocou minhas malas. De imediato agradeci e dispensei (#aquiéBrazucaMano), então, as segurei ainda mais perto de mim… Oh ignorância, era alguém da Cruz Vermelha, que voluntariamente ajudava pessoas a subir/ descer as escadas justamente porque a estação de metrô não tinha escada rolante ou elevador… Que mico!
Gosto de pegar água ou nesse caso torrões de açúcar de crianças, de olhá-las nos olhos, agradecer por estarem ali (em um domingo de preguiça!!!), gosto também de bater as mãos e sentir a energia que está por trás de um “alleeeeerrr”, o nosso vamosssssssssssss.
Sobe, sobe, sobe e já que eu ali estava não me sobraria outra opção, por mais que já tivesse pré-combinado comigo mesma que esse trecho dos 2km estava liberado para caminhar, se necessário.
Caminhar? Meu cérebro combinou com um lado, mas não com o outro dele mesmo… E o outro é mais teimoso que os dois juntos, sendo assim, no português claro, que se danem os joelhos: eu não vou andar aqui (desculpa, mãe…): mandei para dentro um Advil (crianças, não façam isso em casa) e continuei subindo, concentrada, repetindo dentro de mim, como um mantra, “foco, foco, foco.. passados esses 8km, faltam somente outros 8 e a prova acabou…”.
A prova não acabou, mas as subidas, quase! E a placa era muito clara: le plus dur est fini -depende…
Pior que as subidas, para mim, são as descidas, freando.
Essa prova aconteceu lembrando do anônimo que na São Silvestre em 2013, saiu gritando em uma descida… ”cuidado com os joelhos, segurem”…
Essa prova aconteceu quando eu vi um senhorzinho bem velhinho, com dificuldade de andar, saindo de sua casa para ir talvez a missa ou ao mercado… E ele teria que subir de volta!
Essa prova aconteceu quando eu comparei essas descidas com a Serra do Rio do Rastro, por mais que eu nunca cheguei perto delas, Daniel Seto;
Essa prova aconteceu quando vi várias pessoas tirando foto dos seus amigos e, Dori, pensei que se você se divertiu na subida da Brigadeiro, imagina aqui?
Essa prova aconteceu, Mari, porque eu ainda penso nos sapatos daquele Natal, porque na verdade o presente foi e continua sendo para mim, desde a São Silvestre, desde sempre você e a Malu são a minha inspiração;
Essa prova aconteceu e no final do último quilômetro eu me deparei com pessoas voltando, enfim, se 16km é pouca distância, bora fazer a prova invertida!
Uma moça corrida com uma camiseta que dizia “gagnant du cancer”, e eu pararia no km 15?
Um senhor tinha muita dificuldade em manter sua postura ereta, corria também com dificuldade de respirar, e eu pararia no km 14?
Um jovem senhor me olhou precisando de apoio moral e eu disse a ele no meu francês ótimo “just more ‘Trois’ km, 3. Aller aller aller”… A mímica é a linguagem universal, o encorajar também, e eu pararia no km 13?
Uma moça acompanhava, possivelmente o pai idoso, que, em português, ele dizia “2h54 da largada, descontados 50 min que levamos para correr… Vamos fechar essa prova antes de (eu não ouvi o tempo)? E ela em bom “carioques” disse: “Já é. Vamos de qualquer jeito”… E eu pararia no km 12?
Essa prova aconteceu quando uma senhora me ultrapassou e, de costas, ela parecia a cuidadora do meu finado vô…. p** que p*, Margarida, quanto força você teve para pegar o vô da cama para sala tantas vezes… Eu não poderia desistir lá pelo km 12 “só” de correr…
Não hoje, não dessa vez. Só por hoje, só mais essa vez. E que venham os próximos km, enfim, a dificuldade está no próximo km e não nesse.
Corrida: o esporte individual mais coletivo de todos.
Um sorriso sem filtro: está paga!!!
(Aos europeus, um pouco de cor para esse domingo cinzento e suas roupas – até de corrida – em tons de preto e azul marinho). A camiseta era a oficial da prova, encima de uma térmica preta); o resto “ornou” (até demais) sem querer!
Beijos
Flávia B
Lov u, minha sobrinha querida.